domingo, 17 de julho de 2011

SER COMO UM RIO QUE FLUI



Hoje de manhã, estava lendo um livro, uma coletânea de contos e lendas mundiais¹, e achei uma história muito interessante. Aliás, todas dessa coletânea são realmente excelentes e nos ensinam lições extraordinárias.
Mas uma, em especial, me chamou a atenção, por que se enquadrou exatamente em uma conversa que tive com um amigo recentemente.
Era um conto Sufi, cujo nome é: A Sabedoria das Areias. Para aqueles que não conhecem irei transcrevê-lo abaixo, e para aqueles que já conhecem nunca é demais ler de novo, né?  ^^

A Sabedoria das Areias

Desde sua nascente o rio fez seu caminho por todos os acidentes de caminho que encontrou. Cruzou regiões campestres, vales e pedras até alcançar as areias do deserto. Da mesma maneira que cruzou todos os demais obstáculos, o rio não duvidou que pudesse vencer mais este.
Porém, percebeu que mal suas águas tocavam as areias, nelas desapareciam.
Mesmo não conseguindo vencer as areias, o rio acreditava ser seu destino cruzar o deserto. Então as areias lhes disseram:
- O vento cruza o deserto. O mesmo pode fazer o Rio.
Mas o rio começou a se convencer de que, não adiantava jogar-se constantemente contra as areias. Nem mesmo a força ou perseverança o estavam ajudando naquela situação. As areias então disseram:
- O vento cruza o deserto. O rio precisa entregar-se ao vento.
O Rio não conseguia imaginar como seria entregar-se ao vento, ser absorvido por ele e perder a sua forma. Imaginou se, abrindo mão de sua forma, algum dia conseguiria tê-la de volta.
As areias lhe contaram como o vento transportava as águas dos rios em nuvens, como as nuvens se transformavam em chuva e como as águas da chuva se tornavam novamente em rio.
O Rio não acreditava naquilo que ouvia das areias. Então as areias o admoestaram:
- Se não acreditar, se tornará um pântano e não irá a lugar nenhum. Não tema, pois sua essência nunca mudará, mesmo sendo transportado pelo vento. Você teme se entregar ao vento porque não conhece sua essência.
As palavras das Areias ecoaram nas pedras do Rio. E ele, então, se lembrou vagamente de já ter sido algo diferente, de já ter conhecido o vento, embora não lembrasse quando. Mesmo não acreditando totalmente, o Rio elevou seus vapores às asas do Vento.
 Como é de sua natureza, o vento levou o Rio para montanhas longínquas.
Porque teve dúvidas, o Rio lembrou-se com mais clareza de sua essência, e não mais esqueceu de que já havia voado nas asas do vento. As Areias o lembraram bem, pois viam esta viagem dos rios todos os dias. Desde as margens até as montanhas, as Areias acompanhavam o Vento carregando o Rio.
 Por isso se diz que o caminho do Rio está escrito nas Areias do deserto.

 Nós não somos muito diferentes deste Rio personificado no conto Sufi.
Passamos pelos obstáculos que a vida nos impõe, mas quando nos deparamos com um obstáculo maior do que aqueles que estamos acostumados nos perguntamos se realmente somos capazes. Temos medo de fraquejar. E pior, temos medo de que se mudarmos nosso método de agir, percamos nossa essência, nossa identidade. E é justamente nesses momentos em que temos medo de nos perder que realmente nos encontramos. Não sabemos quem realmente somos até sentirmos medo. Medo de nos perder de nós mesmos (em nós mesmos!). Este conto ainda nos lembra da dificuldade que encontramos na autoconfiança e na confiança em outrem. O Rio teve de superar seu medo e sua breve humilhação em ter de admitir que sim, havia um obstáculo maior que ele. Teve de confiar sua essência às asas do vento. Não que ele não tivesse escolha, mas, convenhamos tornar-se um pântano de águas podres e estagnadas não é algo lá motivador. Quando nos deparamos com situações de difícil manejo, pode ser que nos vejamos na mesma situação do rio de nossa lenda: ou nos entregamos a uma solução alternativa, mesmo que ela seja em partes desconhecida, ou nos tornaremos um pântano estagnado de nossas próprias desilusões.
 A lenda ainda nos lembra que não podemos nos prender a um único padrão de pensamento. O Rio poderia relutar em aceitar uma alternativa proposta em um conselho, e insistir em ir em frente com bravura e força, afinal isso sempre funcionou antes. Eu acredito que o Caro Leitor, ou Leitora, assim como eu, já passaram por momentos em que foram verdadeiras ‘cabeças duras’ e recusaram qualquer palpite e opinião de alguém que, no fundo, só pretendia ajudar. Ser flexível a novos pontos de vista e pensamentos, não significa não ter personalidade ou ser fraco. Algumas vezes precisamos ser moldáveis como as águas. Precisamos ser como o rio que flui, enfrentando os obstáculos, contornando os que são possíveis e mudando nossa forma quando necessário. Assim como a água muda sua forma e permanece a mesma em essência, precisamos nos moldar para conseguir enfrentar as diversas formas de adversidades que encontraremos no caminho, sem que isso signifique esquecer quem realmente somos.
E o mais intrigante de tudo isso, o Leitor há de convir comigo, é o fato de, quase sempre, essas ‘soluções’ serem simples e óbvias na maioria das vezes. Estamos tão habituados a seguir pelo caminho mais difícil que, quando surge uma resposta simples não conseguimos identificá-la de imediato ou se identificamos, muitas vezes, nos recusamos a compreendê-las ou aceitá-las. O que faz parecer que temos genuíno apreço por situações complicadas e complicadoras. Precisamos treinar nossos olhos para enxergar, também, as coisas simples. Não é porque enfrentamos vales, pedras e corredeiras no rio da nossa vida que sempre as coisas terão de ser encaradas do ponto de visto mais crítico. E precisamos, ainda, treinar nossos ouvidos para ouvir mais as palavras que nos são ditas. E por fim treinar nossa fé. Sim, Caro amigo, eu disse Fé. Nossa Fé em nós mesmos, nossa fé de que vamos conseguir vencer mais um obstáculo, por maior e, aparentemente, intransponível que ele represente. A Fé nos ajuda a justificar o injustificável. Jamais conseguiremos chegar a algum lugar que não conhecemos se não tivermos Fé (a certeza incomprovada) de que vamos conseguir. Devemos ser moldáveis, flexíveis diante das situações, para só assim conseguirmos avançar em nosso caminho, nossa jornada rumo ao infinito. Eu não estou te dizendo que é fácil ser maleável, meu amigo. Porque, como disse anteriormente, já nos habituamos a seguir pelos caminhos mais tortuosos. Mas nada nos impede de tentar, tentar, tentar e reformular os caminhos que temos à nossa frente para seguir.
 O conselho que tiro desta lenda para mim, e pode ser válido também para ti, e que acredito já estar muito bem expresso desde o início, é que devemos SER [como] a água. Devemos ser um rio que flui, sem amedrontar-se diante de qualquer obstáculo. Pois por pior que uma situação represente, sempre haverá uma solução. Talvez não a vejamos de início, mas isso não altera o fato de que ela existe.

Observemos mais atentamente as coisas simples. Nelas podem estar as soluções para os problemas mais complexos.

Um grande e caloroso abraço e uma boa semana a todos.

                                          Raphael Convoitise - ABSYNTHE


nota: ¹ Este livro não se trata da publicação oficial de nenhuma editora. Foi uma coletânea feita por um amigo que decidiu encaderná-la no formato de um livro simples. Portanto não há como eu indicar o nome ou onde possam adquirir este fantástico livro.

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