quinta-feira, 14 de julho de 2011

Quando Nossas Asas se fecham


Uma vez eu e alguns amigos passamos por uma rua , onde havia duas crianças embaixo de uma marquise tentando se abrigar, ainda que pouco, do clima gélido e dos ventos cortantes como lanças, que reinavam onipotentes naquela noite. Um deles possuía um agasalho, roto, mas que ao certo serviria para inibir um pouco aquele rigoroso inverno.O que estava sem o agasalho, e a mim pareceu ser o mais velho, tremia de frio. O outro percebendo os tremores incontroláveis do irmão, tirou então o agasalho do corpo e ofereceu à ele, que recusou firmemente alegando ser mais forte, por ser maior, dando um leve sorriso na tentativa de convencê-lo a permanecer agasalhado..

O menino levantou-se disposto a obrigar o irmão mais velho a vestir seu agasalho mesmo contra a sua vontade e disse que, Ele (o mais velho) era a única pessoa que ele tinha no mundo, e que se ele ficasse doente e morresse não haveria ninguém para cuidar dele, e além do mais, ele já não sentia mais frio.E se sentisse o irmão poderia abraçá-lo melhor já que seus braços eram maiores.Nisso ambos começaram a rir.

Meus amigos não se deram conta da cena atual, que estava ali, paralela a nós.Conversavam sobre coisas que á eles eram importantes.Mas, eu não pude deixar de notá-la. Foi uma cena comovente, feliz e ao mesmo tempo triste.

Eu, que possuo muitos outros agasalhos em casa poderia ter tirado o que vestia naquele momento e ter dado ao que estava sem nenhum, mas pensei que poderia acabar estragando aquela cena de mais genuíno amor. E além do mais aquele agasalho havia sido ganho de alguém especial para mim. Só hoje, quando voltei a refletir sobre este assunto pude ver duas verdades maravilhosas.

Primeira: Aqueles meninos não tinham teto, nem roupas novas ou bonitas, nem dinheiro, nem uma família completa a qual todo ser humano deve ser digno. Talvez nem fossem irmãos de sangue, na verdade. Mas, tinham cumplicidade, companheirismo, felicidade. Não aquela falsa felicidade que a maioria de nós exibe todos os dias, nos falsos sorrisos, nos frouxos abraços, no falso contentamento de uma vida amena, mas a felicidade sincera e serena pelo simples fato de se ter um ao outro. Mesmo diante de tantas adversidades, de tanto menosprezo, de tanta dor, eles eram felizes por saberem que tinham um ao outro, e que se amavam tanto que até mesmo a dor do frio serviria para aproximá-los mais. Eu lamento que a maioria do mundo tenha esquecido e tenha deixado esfriar a verdadeira felicidade, o verdadeiro amor ao ponto de terem se tornados cegos. Cegos para a dor do próximo, cegos para o amor do próximo, cegos para si mesmos, cegos como eu estava sendo naquele momento.

A segunda verdade é que, no meu egoísmo de querer agir apenas como espectador daquela cena marcante, recusei-me a tirar meu agasalho e oferecê-lo a quem precisava. Não queria interferir naquela cena, perfeita na sua imperfeição, mas sobretudo não quis me desfazer de algo que tinha tanto valor sentimental para mim. Só hoje pude ver quais eram as escamas que cobriam meus olhos e me impediram de ver o quanto eu estava sendo egoísta, o quanto fui mesquinho ao não querer desfazer-me de algo material devido sua importância emocional e de ter ficado cego ao ponto de ir mais longe e usar de uma meia-verdade para encobrir minhas atitudes, no fundo, a verdade, não é que eu não quisesse desfazer o quadro que tinha em minha frente e sim que não queria desfazer-me de algo tão importante para mim. Mas, hoje, posso ver com clareza que, por mais importante que um objeto, ou outra coisa qualquer, nos seja, se soubermos fazer dela uma imagem única e eterna não importa a forma como nos desfizemos dela, ela sempre será importante. Se eu tivesse tirado meu agasalho e tivesse entregado àquele menino, o mesmo agasalho que é importante para mim, teria sido importante para ele. O valor material que ele tinha, teria se ido junto com ele, mas o valor sentimental teria ficado, pois este, não importa a circunstância, sempre permanece, se soubermos eternizá-los em nossas vidas.

Uma vez eu li que somos todos anjos de uma asa só, e que, somente abraçados conseguiremos alçar voo.Isto é, somente se nos ajudarmos uns aos outros conseguiremos algum dia chegar á algum lugar.

Mas, o que acontece quando nossas asas se fecham?

Você já parou pra pensar?

Eu deixei minhas asas fechadas e não voei, não ajudei quem precisava e, quando tomei consciência disso de uma forma muito dolorosa, quando desfiz a névoa da ignorância e do apego que cobriam meus olhos, já não pude fazer nada, nunca mais encontrei os garotos e isso me dói muito até os dias de hoje. Mas, de certa forma, essa situação serviu para me ajudar. A sábia Águia que é a vida, me jogou para fora do ninho, agora não tenho escolha: ou abro as minhas asas e voo, ou irei cair.

Mas, e você?

Vai abrir a suas asas pelo amor ou pela dor?

Você não pode ficar no ninho pra sempre, você tem que conhecer a verdade do mundo lá fora, sentir a dor, sentir o amor...

Você tem que viver!

Raphael Convoitise - Absynthe

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